Desde 2014 o setor da construção pesada brasileiro, considerado estratégico por qualquer vertente ou coloração política conjuntural, vem passando por sobressaltos significativos que fazem oscilar o pêndulo de seus resultados e suas expectativas em velocidade muito maior do que a sua capacidade de sustentação. O ano de 2020, apontado até poucas semanas atrás, como o divisor de águas da recomposição e retomada do crescimento, já se mostra incapaz de cumprir suas promessas.
A CRISE
O mercado brasileiro da construção pesada e, em particular, o correspondente aos empreendimentos de Infraestrutura e Óleo e Gás, foi altamente impactado nos últimos cinco anos pelas revelações trazidas pela Operação Lava-Jato, que promoveram uma forte redução na capacidade de operação das principais construtoras do país, como reflexo das consequências das penalizações judiciais a que essas empresas foram submetidas, restrições de participação em obras públicas federais e proibição de aquisição de novos créditos bancários até a assinatura de acordos de leniência.
Somam-se a isso os impactos do declínio das atividades econômicas e a consequente perda da capacidade de investimentos das três instâncias de governo, agravando fortemente a situação do segmento, uma vez que, historicamente, o setor público tem sido o principal ator e investidor da infraestrutura no país.
Não bastasse esse cenário de desafios, o quadro foi ainda impactado sistemicamente pelo momento político conturbado atravessado pelo país no período de 2014 a 2018, provocando instabilidades e imprevisibilidade que, consequentemente, resultaram na significativa redução no nível dos investimentos públicos em empreendimentos de infraestrutura, assim como, dos investimentos privados em novas plantas industriais.
A LUZ NO FIM DO TÚNEL
Entretanto, a partir de 2019, o mercado passou a sentir uma tendência de retomada do setor da construção pesada, particularmente no que envolve as obras de infraestrutura, tendência essa alicerçada na política de desestatização do governo federal e de alguns estados, implantada através de pacotes de concessões e projetos de parcerias público-privadas. Esse fato pôde ser constatado pelos 27 leilões de concessões realizados no transcorrer de 2019 que renderam R$ 9,4 bilhões em investimentos, com destaque para a concessão de 12 aeroportos. Ao apagar das luzes de 2019 o Ministério da Infraestrutura anunciou a meta para 2020 de leiloar 44 ativos de infraestrutura nos quatro modais de transporte (rodoviário, ferroviário, aquaviário e aéreo) com expectativa de investimentos da ordem de R$ 101 bilhões.
No mesmo período, especificamente no setor de Óleo e Gás, a Petrobras, seguindo seu programa de desinvestimento, anunciou a venda de oito de suas 13 refinarias, associada a uma expectativa de arrecadação total de US$ 15 bilhões. Certamente, a indústria da construção pesada leu a notícia com bons olhos, considerando que as transferências demandarão, por parte dos compradores, novos investimentos em ampliações e REVAMPs em razão da necessidade de modernização das instalações existentes e com vistas à melhoria da qualidade e adequação dos portfólios de produtos, elevação das produtividades e redução de impactos ambientais das operações.
Outra injeção de ânimo e otimismo veio da comunicação feita no início deste ano pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério de Minas e Energia (MME) que versa sobre a homologação de um total de 1.528 empreendimentos de geração de energia renovável para o Leilão de Energia Nova A-4, previsto para ser realizado em maio de 2020. Ao todo, serão somados 51.438 megawatts (MW) de capacidade instalada, com o setor solar fotovoltaica apresentando mais da metade da oferta cadastrada.
Todas essas boas notícias foram acompanhadas e estiveram associadas ao trâmite processual das reformas estruturantes discutidas pelo Congresso Nacional nas áreas trabalhista, fiscal e administrativa que, apesar de estarem longe de serem consideradas politicamente simples, vinham cumprindo passos democráticos e republicanos.
Em resumo, até poucas semanas atrás, a conjuntura se apresentava visivelmente favorável à retomada econômica do setor da construção pesada, impactando positivamente o nível de emprego e renda dos trabalhadores dessa indústria.
GAME CHANGER
Entretanto, coincidentemente com a máxima popular de que o ano no Brasil só começa depois do carnaval, a quarta-feira de cinzas trouxe novidades impensadas no cenário econômico que desorientaram a bússola para o sentido oposto.
Somadas
às catástrofes provocadas pelas chuvas do início do
ano em alguns estados do Brasil, o mês de março estreou trazendo a alta do
dólar, a briga internacional pelos preços do barril do petróleo, a catástrofe mundial
do corona vírus, a beligerância e a inépcia política nacional que,
conjuntamente, conseguiram, em questão de dias, derrubar a bolsa, congelar investimentos,
quebrar orçamentos e frustrar todas as expectativas criadas de superação da
crise do setor que se alonga desde 2014.
CRISE E OPORTUNIDADE
Nesta data, ainda é cedo para prever como essa conta vai fechar, mas o que se prevê diante dos cenários catastróficos que se apresentam, é que não será mais em 2020 que o segmento da construção pesada no Brasil irá se recompor e retomar seu crescimento.
De qualquer modo, em momentos de crise, vale lembrar da máxima de que empreender, ainda mais no setor de construção pesada, não é para fracos e pessimistas. Se não há negócios suficientes agora que alavanquem o crescimento, que o momento atual seja aproveitado na correção das rotas estratégicas de negócio, na criação de oportunidades, no aprimoramento dos processos, na adoção de novas tecnologias e na implantação de inovações.
Que
o setor da construção pesada e as empresas que o compõem estejam preparados
para o novo mundo que emergirá dessa nova onda de crises de proporção global.
Tudo passa!
Resta esperar que as ações e a responsabilidade pública das instituições e poderes constituídos, somados aos esforços dos cidadãos, sejam rápidos, precisos, eficazes e prevaleçam a níveis altruístas, e que os efeitos reais do mosaico das crises atuais reverberem segundo as projeções mais otimistas. Para bem do Brasil!
Por:
José Messias Viegas Alves, Engenheiro Civil e Administrador de Empresas. Sócio da Schédio Engenharia Consultiva – jose.messias@schedio.com.br
Alonso Mazini Soler, Doutor em Engenharia de Produção POLI/USP, Professor da Pós Graduação do Insper, da FIA e da Plataforma LIT Saint Paul. Sócio da Schédio Engenharia Consultiva – alonso.soler@schedio.com.br
1 Comentário
Muito boa a narrativa !
Uma visão bem ampliada do mercado da construção pesada !
Infelizmente nossas empresas estão totalmente combalidas neste cenário !